Crianças não nascem com manual de instrução

Crianças não nascem com manual de instruções e não são moldes estanques. A partir da interação com o meio elas desempenham, testam e aprendem. Este Blog é destinado a todos aqueles que se interessam pelas particularidades do desenvolvimento infantil.

Idealizado por Isabel Santos, Psicóloga Clínica, Mestre em Ciência do Comportamento pela Universidade de Brasília.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Mordidas na Primeira Infância



As mordidas, na primeira infância, fazem parte do desenvolvimento normal da criança. Embora isto seja um consenso entre os especialistas da área, este comportamento não deve ser menosprezado e necessita da intervenção de um adulto. Entender os aspectos que levam a criança a morder e como o meio interfere na manutenção ou não deste padrão é fator preponderante.


Porque as crianças mordem?

Durante a primeira infância as crianças dificilmente conseguem verbalizar aquilo que sentem, desde um estado de cansaço a uma sensação de tristeza. A maioria delas expressa aquilo que incomoda por meio de seus comportamentos. Algumas apresentam dificuldade com o sono, outras com a alimentação, birras podem estar presentes e as mordidas também. Logo, podemos relacionar este comportamento de morder à expressão de desejos e frustrações, os quais a criança ainda não consegue lidar. É uma via de comunicação e exploração do ambiente.

Algumas situações aumentam a probabilidade de ocorrência deste comportamento, como a dificuldade da criança em lidar com limites e frustrações, baixo auto-controle e eventos familiares estressantes (doenças na família, separação dos pais, dificuldades financeiras, dentre outros).

Há também aquelas situações em que as crianças aprendem que este comportamento é uma forma
genuína de expressão de carinho. Isto acontece principalmente com aquelas que escutam recorrentemente de seus responsáveis e cuidadores frases como: “Você é muito fofo. Vou te morder.” ou “Eita menino gostoso. Vontade de dar uma mordida.”, ao mesmo tempo em que se dá uma “mordidinha” leve na criança. Este caso não deixa de ser também uma forma de expressão da criança sobre o que ela sente em relação ao outro.

Sendo uma via de comunicação devemos ser permissivos com as mordidas?

Não!

Embora seja uma expressão de sentimentos, desejos e insatisfações, este comportamento é disfuncional na medida em que se aumenta a probabilidade de repulsa dos pares em relação a esta criança e favorece um padrão de interação agressivo. É importante, portanto, que se ensine à criança maneiras alternativas de comunicação favorecendo o seu entendimento a respeito do meio que a cerca.


E o que podemos fazer?

O primeiro passo é entender as variáveis que motivam este comportamento nas crianças. Este entendimento diminui a probabilidade de que se culpem os pais (por uma educação pobre) e os professores (por falta de atenção).

A identificação das variáveis, por sua vez, não deve ser confundida com aceitação ou permissividade. É necessário, por meio da intervenção de um adulto, mostrar à criança as consequências deste comportamento e formas alternativas de ação. Aqui vale estimular a criança a descrever o que fez e, junto a ela, validar o sentimento do outro mostrando os efeitos de sua ação. O responsável pela criança deve nomear a ela o seu sentimento e o da criança que foi mordida. Ao mesmo tempo deve-se instrumentalizá-la de outras formas de ação. 

Por exemplo: abaixe-se à altura da criança e diga: “Eu entendo que você está com raiva porque quer o
brinquedo do seu amigo. E entendo também que quando se sente assim, você morde. Por isso mordeu o seu amigo. Mas morder não pode. Quando você faz isso o seu amigo sente dor e fica triste. Peça desculpas a ele e diga que você também quer usar o brinquedo.”

Esta descrição da contingência do comportamento, abarcando o que a criança fez, o motivador para a sua ação, as consequências que isso traz e os sentimentos envolvidos, amplia e refina o repertorio verbal, promove o autoconhecimento e facilita a aquisição de comportamentos alternativos mais adaptativos e de reparação.

O objetivo primário é promover o aprendizado, pela criança, de formas mais saudáveis de atuação no meio e diante dos pares. Punições descontextualizadas podem interromper o comportamento momentaneamente. Mas, dificilmente, mostram à criança como ela deve comunicar os seus estados internos. Isto não exclui uma postura firme e segura dos responsáveis diante do comportamento apresentado pela criança.

Outro ponto importante é o tipo de modelo para resolução de problemas que os pais e/ou responsáveis pela criança oferecem. Se as estratégias utilizadas por eles envolvem comportamentos agressivos, é provável que a criança, em sua interação com o meio, desempenhe o mesmo padrão diante as suas dificuldades. É importante, então, que os pais, cuidadores e responsáveis reconheçam as variáveis que controlam os próprios comportamentos e se atentem às próprias habilidades de resolução de problemas.

Em casa, propicie tempo de qualidade a esta criança. Crie situações em que as interações positivas se sobreponham. Esteja junto. Oriente. E, acima de tudo, brinque e se envolva. Quanto menos estresse em casa, maiores as chances de que comportamentos adequados sejam aprendidos, de maneira saudável e positiva e, generalizados para os outros ambientes aos quais a criança estará exposta.




E a nossa postura diante da criança que foi mordida? 

O primeiro ponto é: não ensine a criança a revidar mordendo. O revide, além de perpetuar este padrão, ensina às crianças envolvidas que a maneira mais adequada de expressão e resolução daquilo que as desagrada é a agressividade. Nosso papel é estimular a expressão de sentimentos da criança por meio de palavras.


Não revidar não tem o mesmo significado de ausência de defesa. E é importante que se ensine à criança a demonstrar e relatar o seu descontentamento em relação à situação.

Não diga à criança que foi “só uma mordida”, que o amigo “fez sem querer” e que “você cuidará do dodói”. Da mesma forma, não encerre imediatamente a situação verbalizando que você conversará com o amigo ou que o colocará de castigo. Ao contrário, nomeie e valide o sentimento da criança mordida. Explique a ela que o comportamento do amigo não foi legal e que, de fato, não se pode morder. Diga que você sabe que está doendo e que ela sente tristeza quando o amigo assim se comporta.

Atenção:

Se o seu filho morde constantemente ou se ele é sempre o alvo de mordidas (no ambiente escolar) não deixe de procurar a escola e, se necessário, profissionais especializados para uma melhor orientação.

Lembrando que a parceria escola-família é fundamental, não apenas em relação a estes episódios, mas a tudo que envolve a vida escolar da criança. Neste caso especifico, a parceria deve primar o entendimento das contingências às quais a criança está exposta e orientações e/ou encaminhamentos devidos, visando sempre o desenvolvimento saudável e o bem estar tanto da que recebe a mordida como da que morde.


Isabel C. L. Santos
Psicóloga Clínica
Mestre em Ciência do Comportamento pela Universidade de Brasília
Atendimento infantil/ Orientação de Pais
CRP 01/9481





quarta-feira, 10 de junho de 2015

Sobre a Tabela do Bom Comportamento

Nossos comportamentos estão em constante interação com o meio e, a depender das consequências que se seguem a eles, dois efeitos podem ser observados: sua repetição ou diminuição.
Para que um comportamento se repita é necessário que a consequência seja reforçadora, ou seja, o indivíduo necessariamente obtém algum ganho. Esta consequência, por sua vez, pode ser natural, inerente à atividade realizada (um evento que ocorre espontaneamente após a emissão do comportamento), ou, arbitrária (um evento artificial que, naturalmente, não ocorreria após a emissão do comportamento). Por exemplo, quando a criança toma banho (comportamento), a consequência natural (que não foi planejada, nem introduzida artificialmente) é o “estar limpo”. Já quando os pais oferecem um prêmio para que esse comportamento ocorra, ele é considerado um reforçador arbitrário (pois foi mediado e programado).


Pelas próprias características dos reforçadores arbitrários, é natural que os pais questionem sobre o quão saudável é sua aplicação quando se deseja ensinar algo à criança. De fato, sua utilização exige cautela e deve ser bem aplicada. Atentando-se a isso, eles se tornam instrumentos favoráveis ao desempenho de bons comportamentos, na medida em que aumentam a probabilidade de ocorrência destes e, consequentemente, uma maior probabilidade de que fiquem sensíveis às suas consequências naturais.
A tabela do bom comportamento, instrumento que depende da utilização de reforçadores arbitrários, quando aplicada de maneira correta, adquire propriedades positivas que facilitam um aprendizado mais rápido e reforçador, de novos comportamentos, ao indivíduo. Por isso, torna-se uma ferramenta de auxílio quando a criança ainda não tem um repertório pleno das responsabilidades acerca das atividades que lhe cabem.

Como aplicar?

  •  A elaboração e a aplicação da tabela exigem regras. Portanto, são necessárias disciplina e boa freqüência, para que não se passe à criança a ideia de que aquelas são inconsistentes e podem ser quebradas. E isso envolve não quebrar as regras existentes e não acrescentar novas, desproporcionais e descontextualizadas.
  •  Na tabela devem estar descritos os comportamentos desejáveis. O intuito é ensinar à criança o que fazer, ao invés do “não fazer”
  •  A cada vez que a criança conseguir realizar um comportamento descrito na tabela, ela ganha uma carinha feliz, um ponto ou um adesivo.
  •  Ao fim do dia, tendo cumprido todos os comportamentos descritos, a criança deverá ter direito a um “brinde”.
  • É necessário manter a cadeia comportamental. Portanto, ao final da semana, se a criança tiver realizado todas as atividades propostas na tabela, ofereça-lhe um prêmio maior, como exemplo, um passeio.


O que é importante?

  •  Esteja atento aos comportamentos registrados na tabela e às habilidades da criança em realizá-los. O ideal é que, inicialmente, a criança consiga, de fato, cumprir a tarefa para que ela receba as carinhas, pontos, ou adesivos. Na medida em que ela desempenha o que está acordado, aumenta-se, gradualmente, o nível de dificuldade. Lembre-se: se a criança, inicialmente, não tiver a oportunidade de receber as carinhas, pontos ou adesivos a tabela adquire propriedades aversivas e perde a sua função. Uma dica é introduzir um comportamento que a criança desempenha adequadamente, para que ela entre em contato com a contingência de recebimento das carinhas, pontos ou adesivos.
  •  A tabela não deve ser utilizada para punir os comportamentos da criança, mas tão somente, para reforçá-los. Portanto, a criança não perde carinhas, pontos, ou adesivos. Atenção: ameaças à criança de que ela não ganhará as carinhas incutem um caráter aversivo e punitivo à tabela.
  • Caso a criança não realize um comportamento descrito na tabela, nada deve ser dito. Ela apenas deixará de ganhar a carinha, ponto, ou adesivo e, consequentemente, o “prêmio” ao final do dia e semana.
  • É necessário estar atento ao que é reforçador para a criança. Premiá-la com algo que não tenha um significado positivo para ela pode não funcionar. Muito embora esta escolha seja peculiar a cada uma delas, geralmente, os reforçadores mais poderosos envolvem momentos de interação com os pais. Portanto, ao estipular os prêmios, dê preferência a brincadeiras e momentos juntos (claro, observando sempre as necessidades e gostos da criança).
  •   É importante observar também o estado de ânimo diário da criança. Fome, cansaço e sono interferem negativamente nos eventos ambientais. Nestas situações, consequências, até então reforçadoras, podem ter suas propriedades positivas diminuídas.
  • E nunca esqueça: elogios são sempre bem-vindos! Ao emiti-los, ressalte o desempenho e esforço da criança em se engajar na tarefa. Fazendo assim, você valoriza a responsabilidade, o empenho e diminui a probabilidade de que a criança estabeleça um padrão disfuncional de auto-cobrança.


Que tipos de incentivos posso utilizar?

  •   Atividades: permitir que a criança faça alguma atividade que goste, por exemplo: jogar vídeo game por um determinado tempo, brincar com tinta, ler um livro na companhia dos pais, realizar uma brincadeira (também na companhia dos pais), assistir ao programa preferido de TV, tomar sorvete com a família ou amigos, etc. É bastante peculiar a cada criança.
  •  Materiais: bombons, brinquedos, roupas, lanches especiais, etc. (devem ser moderados, para que o processo não se torne oneroso, ou que crie comportamentos disfuncionais).
  • Sociais (reforçadores que se equivalem aos elogios): abraços, beijos, contato visual positivo, sorrisos, bilhetinhos que valorizem o comportamento adequado, a companhia dos pais, diálogo.


Qualquer método que se utilize na educação das crianças deve ser sempre adequado às suas habilidades e potencialidades. E o melhor caminho para a realização, com maestria, é o da auto-observação, exercício da compreensão e conhecimento das variáveis ambientais que controlam o comportamento da criança. A adoção de práticas descontextualizadas pode adquirir um caráter aversivo e, consequentemente, interferir sobre o desenvolvimento saudável na infância.


Isabel C. L. Santos
Psicóloga Clínica
Mestre em Ciência do Comportamento
Atendimento Infantil e Orientação de pais
CRP 01/9481


Referências Bibliográficas:
Weber, L. (2009). Eduque com carinho: equilíbrio entre amor e limites – para pais. Editora Juruá: Curitiba.
Weber, L.; Salvador, A. P. & Brandenburg, O. (2011). Programa de qualidade na interação familiar: manual para aplicadores. Editora Juruá: Curitiba.