As mordidas, na primeira
infância, fazem parte do desenvolvimento normal da criança. Embora isto seja um
consenso entre os especialistas da área, este comportamento não deve ser
menosprezado e necessita da intervenção de um adulto. Entender os aspectos que
levam a criança a morder e como o meio interfere na manutenção ou não deste
padrão é fator preponderante.
Porque as crianças mordem?
Durante a primeira infância as
crianças dificilmente conseguem verbalizar aquilo que sentem, desde um estado
de cansaço a uma sensação de tristeza. A maioria delas expressa aquilo que incomoda
por meio de seus comportamentos. Algumas apresentam dificuldade com o sono,
outras com a alimentação, birras podem estar presentes e as mordidas também.
Logo, podemos relacionar este comportamento de morder à expressão de desejos e
frustrações, os quais a criança ainda não consegue lidar. É uma via de
comunicação e exploração do ambiente.
Algumas situações aumentam a
probabilidade de ocorrência deste comportamento, como a dificuldade da criança
em lidar com limites e frustrações, baixo auto-controle e eventos familiares
estressantes (doenças na família, separação dos pais, dificuldades financeiras,
dentre outros).
Há também aquelas situações em
que as crianças aprendem que este comportamento é uma forma
genuína de
expressão de carinho. Isto acontece principalmente com aquelas que escutam
recorrentemente de seus responsáveis e cuidadores frases como: “Você é muito
fofo. Vou te morder.” ou “Eita menino gostoso. Vontade de dar uma mordida.”, ao
mesmo tempo em que se dá uma “mordidinha” leve na criança. Este caso não deixa
de ser também uma forma de expressão da criança sobre o que ela sente em
relação ao outro.
Sendo uma via de comunicação devemos
ser permissivos com as mordidas?
Não!
Embora seja uma expressão de
sentimentos, desejos e insatisfações, este comportamento é disfuncional na
medida em que se aumenta a probabilidade de repulsa dos pares em relação a esta
criança e favorece um padrão de interação agressivo. É importante, portanto,
que se ensine à criança maneiras alternativas de comunicação favorecendo o seu
entendimento a respeito do meio que a cerca.
E o que podemos fazer?
O primeiro passo é entender as
variáveis que motivam este comportamento nas crianças. Este entendimento
diminui a probabilidade de que se culpem os pais (por uma educação pobre) e os
professores (por falta de atenção).
A identificação das variáveis,
por sua vez, não deve ser confundida com aceitação ou permissividade. É
necessário, por meio da intervenção de um adulto, mostrar à criança as
consequências deste comportamento e formas alternativas de ação. Aqui vale
estimular a criança a descrever o que fez e, junto a ela, validar o sentimento
do outro mostrando os efeitos de sua ação. O responsável pela criança deve nomear
a ela o seu sentimento e o da criança que foi mordida. Ao mesmo tempo deve-se
instrumentalizá-la de outras formas de ação.
Por exemplo: abaixe-se à altura
da criança e diga: “Eu entendo que você está com raiva porque quer o
brinquedo
do seu amigo. E entendo também que quando se sente assim, você morde. Por isso
mordeu o seu amigo. Mas morder não pode. Quando você faz isso o seu amigo sente
dor e fica triste. Peça desculpas a ele e diga que você também quer usar o
brinquedo.”
Esta descrição da contingência do
comportamento, abarcando o que a criança fez, o motivador para a sua ação, as
consequências que isso traz e os sentimentos envolvidos, amplia e refina o
repertorio verbal, promove o autoconhecimento e facilita a aquisição de
comportamentos alternativos mais adaptativos e de reparação.
O objetivo primário é promover o
aprendizado, pela criança, de formas mais saudáveis de atuação no meio e diante
dos pares. Punições descontextualizadas podem interromper o comportamento
momentaneamente. Mas, dificilmente, mostram à criança como ela deve comunicar
os seus estados internos. Isto não exclui uma postura firme e segura dos
responsáveis diante do comportamento apresentado pela criança.
Outro ponto importante é o tipo
de modelo para resolução de problemas que os pais e/ou responsáveis pela criança
oferecem. Se as estratégias utilizadas por eles envolvem comportamentos
agressivos, é provável que a criança, em sua interação com o meio, desempenhe o
mesmo padrão diante as suas dificuldades. É importante, então, que os pais,
cuidadores e responsáveis reconheçam as variáveis que controlam os próprios
comportamentos e se atentem às próprias habilidades de resolução de problemas.
Em casa, propicie tempo de
qualidade a esta criança. Crie situações em que as interações positivas se
sobreponham. Esteja junto. Oriente. E, acima de tudo, brinque e se envolva.
Quanto menos estresse em casa, maiores as chances de que comportamentos adequados
sejam aprendidos, de maneira saudável e positiva e, generalizados para os
outros ambientes aos quais a criança estará exposta.
E a nossa postura diante da criança que foi mordida?
O primeiro ponto é: não ensine a
criança a revidar mordendo. O revide, além de perpetuar este padrão, ensina às
crianças envolvidas que a maneira mais adequada de expressão e resolução daquilo
que as desagrada é a agressividade. Nosso papel é estimular a expressão de
sentimentos da criança por meio de palavras.
Não revidar não tem o mesmo
significado de ausência de defesa. E é importante que se ensine à criança a
demonstrar e relatar o seu descontentamento em relação à situação.
Não diga à criança que foi “só
uma mordida”, que o amigo “fez sem querer” e que “você cuidará do dodói”. Da
mesma forma, não encerre imediatamente a situação verbalizando que você
conversará com o amigo ou que o colocará de castigo. Ao contrário, nomeie e
valide o sentimento da criança mordida. Explique a ela que o comportamento do
amigo não foi legal e que, de fato, não se pode morder. Diga que você sabe que
está doendo e que ela sente tristeza quando o amigo assim se comporta.
Atenção:
Se o seu filho morde
constantemente ou se ele é sempre o alvo de mordidas (no ambiente escolar) não deixe de procurar a
escola e, se necessário, profissionais especializados para uma melhor
orientação.
Lembrando que a parceria
escola-família é fundamental, não apenas em relação a estes episódios, mas a
tudo que envolve a vida escolar da criança. Neste caso especifico, a parceria
deve primar o entendimento das contingências às quais a criança está exposta e
orientações e/ou encaminhamentos devidos, visando sempre o desenvolvimento
saudável e o bem estar tanto da que recebe a mordida como da que morde.